fragmentado

Tô escrevendo um trabalho que tem me convocado a olhar pro passado.

num olhar meio_que boquiaberto, meio_que fascinado, meio_que surpreso com o enfileiramento que a vida da pras vivências que a gente passa e pras histórias que a gente constrói. Um olhar perscrutador que tenta dar lastro, e que cai naquela velha armadilha de: será que foi aqui? hmm ou talvez aqui?

Acabei mergulhando num feed antigo de uma rede que abandonei faz tempo, um ambiente em que os algoritmos - já naquela época - mais me adoeciam que me edificavam, e me deparei com uma parte de mim que me da 25 anos de lastro, mas que não consigo mais encontrar no espelho, uma parte de mim que imageticamente me escapa, em alguma medida, me foge.

um reflexo que se embrenhou dentro da cicatriz que corta meu corpo ao meio, em fuga do dedo que me aponta.

O mais bizarro de chegar num lugar que ninguém sabe das outras skins que me habitaram, é ver o dedo em riste que me apontou mulher, me apontar agora homem.

Eu sinto um riso histérico me escapar pela glote, sinto meus olhos se escancararem loucos pro absurdo que é essa ficção inventada há mile anos atrás e que operacionaliza tanto os nossos afetos.

Nos dias bons, eu acho graça, gargalho com vontade, debocho, faço piada, provoco, coloco em cheque com um sorriso sádico no rosto, tripudio. Nos dias ruins, sinto meu olhar vagar pelo horizonte, meio abobalhado com quão parruda é a estrutura que nos conduz a uma vida de fachada, que cerca esse dispositivo lindo, sensório && sensível que é o corpo, com um arame farpado enferrujado, empoeirado, que se sustenta de pé pelo imenso poder da crença. _belief

não é o gênero o todo poderoso, é a nossa crença de que ele existe a grande jogada.

Se acordarmos um dia com uma mesma manchete estampada em todos os meios de comunicação do planeta: O GÊNERO CAIU. Ou ainda GÊNERO, O GRANDE GOLPE, ou imagine só, GÊNERO, DESMASCARADO, ou no maior de todos os delírios: GÊNERO, who?

O que acontece com a sua sexualidade, com a sua família, com as roupas penduradas no seu armário, com o seu desejo, com o seu emprego, com o seu corte de cabelo, com o desodorante Rexona MEN no seu banheiro, com o seu reflexo no espelho? (este post foi originalmente publicado no instagram.com/ciber_org)